Perseguição a músicos expõe falta de liberdade de expressão na Espanha

Raphael Tsavkko Garcia
4 min readMay 27, 2018

--

Primeiro Cesar Strawberry, do grupo Def Con Dos, foi condenado por apologia ao terrorismo dentro da chamada Operação Aranha por tuitar.

Em janeiro 2017 ele foi condenado a um ano de prisão por 6 tuítes entre 2013 e 2014 nos quais fazia piadas com os grupos armados GRAPO e ETA, além de ter feito comentários bem humorados sobre personalidades ligadas ao regime franquista que governou a Espanha com mão de ferro até 1975. Alguns dos tuítes considerados criminosos incluíam frases como “Franco, Serrano Suñer, Arias Navarro, Fraga, Blas Piñar… Se você não fizer a eles o mesmo [que fizeram] com Carrero Blanco, a longevidade estará sempre ao lado deles” ou “Quantos mais deveriam seguir o voo de Carrero Blanco”.

Pra Strawberry e muitos de seus apoiadores, ele apenas exercitou seu direito à liberdade de expressão — ainda mais considerando que fazia piadas contra conhecidas personalidades apoiadoras de uma ditadura sanguinária. O fato, no entanto, é que a Espanha não realizou uma transição efetiva para a democracia com responsabilização de lideranças políticas, civis e militares pelos crimes cometidos ou apoiados por eles. Não é uma surpresa que o PP, herdeiro do franquismo, siga sendo a principal força política do país e atualmente governe a Espanha sem, no entanto, reconhecer sua responsabilidade histórica.

O fato é que no país funciona, legalmente, a Fundação Francisco Franco, que busca manter viva a memória do ditador e os tribunais não veem qualquer problema na defesa e louvor de crimes do passado — desde que cometidos pelo Estado.

Depois vieram detenções e condenações de mais músicos, como o rapper Pablo Hasél, por apologia ao terrorismo e, pasme, ofender a monarquia. Sim, ofender uma máfia é crime na Espanha.

Em março de 2014 Hásel foi sentenciado a dois anos de prisão por divulgar nas redes sociais músicas em que ele defende o retorno dos grupos ETA e GRAPO? “Espero que os GRAPO retornem”, “Viva ETA” ou “O carro de Patxi López [ex-presidente basco] merece explodir”. Em março de 2017 a justiça pediu mais dois anos e nove meses de prisão e uma multa de mais de 40 mil euros. Caso não possa pagar a multa sua pena aumentaria para 5 anos de prisão por crimes como enaltecimento do terrorismo (em 64 tuítes selecionados), injúrias contra coroa pela música “Juan Carlos, o Bobão”, que faz um trocadinho com o nome da família real, Borbón, na qual ele canta sobre a morte do rei (que renunciou para deixar o trono para seu filho, Felipe VI) e outros crimes de injúria contra instituições espanholas.

Como censura pouca é bobagem na Espanha, a Audiência Nacional espanhola condenou a uma pena de dois anos e um dia 12 jovens cantores de um coletivo de hip hop conhecido como La Insurgencia. Eles cantam sobre a realidade de jovens por todo o país, jovens como eles, expressando através da música seus dilemas. Um dado curioso é que muitos desses jovens sequer se conheciam pessoalmente, fazendo músicas e colaborando apenas online. O grupo acusou o promotor de selecionar frases de suas músicas e retirar de contexto, ainda que tenham concordado que suas músicas eram de fato agressivas, carregadas de ódio, mas que isso estava longe de se encaixar no crime de enaltecer o terrorismo ou mesmo de incitar qualquer tipo de violência.

Calma que tem mais, o rapper Josep Valtonyc foi também condenado e essa semana fugiu da Espanha para não ser preso pelo crime de cantar e o primeiro músico a fugir da Espanha por ser condenado por suas letras.

Isso sem falar em meros tuiteiros e jornalistas (como Boro LH) também perseguidos e condenados por escrever piadas sobre Carrero Blanco ou outras figuras da ditadura franquista, por se revoltar contra a monarquia, etc. Ou seja, o que vemos é a mais pura perseguição a qualquer um que ouse levantar a voz contra as injustiças do país, contra a família real ou contra algozes do passado pode acabar processado e preso por “enaltecimento do terrorismo”.

E agora chegamos a Evaristo Páramos, ex La Polla Records, detido por guardas civis por cantar as mesmas músicas que canta há 30 anos.

A Espanha tem sido repetidamente condenada pela Corte Europeia de Direitos Humanos em casos envolvendo terrorismo. Em 2016 o país foi condenado por não investigar alegações de tortura contra prisioneiros ligados à ETA — foi a oitava condenação do país em casos envolvendo tortura. Em 2013, a corte forçou o país a revogar a Doutrina Parot, que aplicava sucessivas penas de prisão a acusados de terrorismo, e em 2011 a Espanha foi novamente condenada por violar a liberdade de expressão do líder basco Arnaldo Otegi, então porta-voz de seu partido no parlamento local e condenado em 2005 por chamar o rei de “chefe dos torturadores”.

Não existe liberdade de expressão na Espanha.

--

--

Raphael Tsavkko Garcia
Raphael Tsavkko Garcia

Written by Raphael Tsavkko Garcia

Journalist, PhD in Human Rights (University of Deusto). MA in Communication Sciences, BA in International Relations. www.tsavkko.com.br

No responses yet