Nesse período de polarização, qualquer tentativa mais sofisticada de análise é vista como ação do inimigo, ofensa capital
Um dos piores crimes que alguém pode cometer em tempos de polarização política é o de não buscar aniquilar o adversário, mesmo que para isso seja preciso penhorar sua honestidade intelectual, abandonar o método científico e mandar os escrúpulos para o inferno.
O professor Pablo Ortellado escreveu um artigo para a Folha de São Paulo em que chama Bolsonaro de autoritário, anti-intelectual, moralista, militarista e anti-democrático, mas, como disse o Sílvio Pedrosa, "como não disse a senha para a aceitação no rebanho, é um ‘ideólogo do fascismo’. O modus operandi do stalinismo está aí”. O Ortellado é um acadêmico independente, não se alinha ao petismo nem ao antipetismo, mas faz um trabalho valioso de pesquisa sobre comportamento online e offline dos diferentes grupos políticos atuando no país. E, baseado nisso, chegou a algumas conclusões no "polêmico" artigo.
Eu discordo do Ortellado. Eu considero Bolsonaro um fascista, mas mais por tabela que por consciência ideológica – penso que ele é burro demais pra ter consistência, mas quem o cerca… Esses sim são fascistas, como o general Mourão. O Bolsonaro enquanto indivíduo ser ou não fascista me parece menos relevante do que o movimento que ele encabeça o ser – e eu penso que sim, o movimento em volta de Bolsonaro é abertamente fascista – e perigoso, violento, antidemocrático.
O artigo do Ortellado traz bons pontos e acredito que mesmo que nossas leituras divirjam sobre Bolsonaro ser ou não fascista, a leitura sobre o que ele representa é acurada – e o termo “fascista” foi usado ad nauseam pela “militância”, o que retira muito do peso e do significado. Não cola mais. Na real acaba sendo uma muleta de parte da esquerda incapaz de tecer críticas consistentes (muito porque, no poder, agiram como direita, se aliaram a essa mesma direita, reprimiram, esboçaram lampejos de um nacionalismo torpe, etc).
A Esther Solano escreveu um post no Facebook com o qual concordo muito:
O Bruno Frederico Muller também fez uma postagem sucinta e, penso, correta:
Respeito muito o Pablo Ortellado, mas ele errou feio na sua análise do bolsonarismo. Dizem os mais exaltados que ele “passou pano” pro sargentão, porque disse que ele não é fascista. Ora, ser ou não fascista é uma questão de classificação, e concordar ou não com ela não nos exime da responsabilidade de analisar e explicar o que originou no fenômeno, para além da simples condenação moral e política de suas ideias. O erro não está em ter legitimado o candidato. O erro está na definição mesmo, e esse erro advém de dois fatores: olhou só pra figura que personifica o movimento, e não o movimento em si, que tem vida própria; errou, também, por um certo formalismo na análise. O fascismo, o nacionalismo e a xenofobia não são idênticos em diferentes tempos e espaços. Mas é possível captar semelhanças o suficiente, e também tendências históricas, que permitam aplicar esses conceitos em momentos distintos.
O Henrique Carneiro também fez um ótimo comentário:
O triste é ver muita gente qualificada passando por cima do texto do Pablo Ortellado para ataca-lo como se ele defendesse o Bolsonaro! Ou você concorda que ele é fascista ou de repente vira apoiador – o mesmo raciocínio (sic) que tem sido usado pela “militância” petista nas redes, de não importar que você expresse seu repúdio pelo Bolsonaro, mas se não votar no Haddad ou criticar o PT você automaticamente é atacado como eleitor… do Bolsonaro.
O mesmo raciocínio vale prós Bolsominions, aliás. Não votar nele significa ser petista e ponto (ou comunista, o que dá no mesmo na cabeça sequelada dessas figuras).
Nenhuma análise séria e honesta sobre o crescimento da extrema-direita ou do fascismo no Brasil (chamem como preferir) pode ser feita sem entender o papel do PT nisso tudo – e não é o papel de vítima que eles tentam vender.
O PT esteve aliado com todos os defensores de milícias e UPPs no Rio, enviou exército pra ocupar favelas, reprimiu com mão de ferro manifestações (seja diretamente – usando Força Nacional para agredir grevistas ou manifestantes durante a Copa, criando lei antiterrorismo, etc – seja dando apoio moral, financeiro ou mero oferecimento de envio de tropas federais, como no caso de Junho em São Paulo).
É fácil caracterizar Bolsonaro como fascista (e concordo que ele seja), no entanto é mais fácil ainda tirar o corpo fora e não apontar o dedo pro partido que passou 13 anos no poder se aliando com o que há de pior na direita brasileira (fundamentalistas, latifundiários, genocidas de indígenas, milicianos, etc) enquanto usava cooptação, dinheiro e porrada pra massacrar movimentos de esquerda autônoma.
Pra chamar Bolsonaro de fascista são 500 posts com mil diferentes argumentos, mas na hora de apontar o dedo pro PT e responsabilizar o partido por seu papel é um show de “Ah, não é bem assim, é complexo, não é simples”.
Pegue a base do Bolsonaro e conte quantos não eram da base do PT. Oras, o próprio Bolsonaro passou anos no PP, partido da base… do PT! Isso não quer dizer que ele apoiasse os governos do PT, no entanto se beneficiava por tabela das benesses, cargos e grana de seu partido. Mas claro, a responsabilidade é sempre dos outros. Qualquer crítica é “antipetismo” e isso impede qualquer dialogo posterior porque já foi decretado que quem critica sente ódio e ponto. É a superioridade eterna do lulista que não desce do pedestal.
Aliás, sabem quem mais quer que Bolsonaro vá ao segundo turno sem se importar com o perigo que ele representa, sem se importar com seu fascismo e etc? O PT. Com a palavra Breno Altman, dirigente do partido (mas o Pablo é que "passa pano" pro Bolsonaro, certo?):
Enfim, o papel do acadêmico é pensar, formular, teorizar, criticar, como o Pablo fez (concordemos ou não com ele – e eu discordo nessa). Mas infelizmente o que mais temos hoje é intelectual fazendo militância, abandonando todo e qualquer rigor acadêmico e mesmo ética. Milton Santos lá atrás já apontava pra esse problema. E só piora.
Emir Sader, Jessé de Souza são exemplos de intelectuais que, há muito, abriram mão de qualquer rigor acadêmico para fazer militância. E infelizmente essa prática tem se tornado lugar comum na cademia, com livros sobre "GOLPE" saindo a toque de caixa, por exemplo. E, bem, vejam essas pérolas por vocês mesmos (no final da postagem). Não é um pé rapado intelectual como as centenas que surgiram para atacar o Ortellado, mas de um acadêmico respeitado que usa uma tabelinha-hoax sobre fascismo para atacar um aparente desafeto – ou apenas alguém que ousou divergir da narrativa oficial – e que o compara com um ideológo de ideologia totalitária – seguindo a moda de chamar todos que não rezam pela cartinha do PT de "fascistas" num show de CQD (Como Quis Demonstrar).
Alias, de acordo com essa tabelinha o governo Dilma quase grita bingo!
No mais, o pessoal do PT passou tanto tempo chamando toda e qualquer oposição ao PT de “fascista” (inclusive a esquerda nas ruas em 2013, a mim, o próprio Pablo, etc) que agora soa até anedótico quando estamos diante de alguém que se encaixa finalmente no perfil.
Vale, por fim, uma provocação: Questionar se as tentativas de impedir e censurar qualquer crítica às narrativas dominantes de determinado campo político pode ser considerado "fascismo".
E, por fim, alguns exemplos do nível de loucura do petismo militante: