Nem videogames, nem a internet: Massacres são reflexo de masculinidade tóxica e frustração
Evidências apontam para o fato do autor do massacre em Christchurch ser um channer, assim como pelo menos um dos dois autores do massacre em Suzano. Channer é aquele que acessa e interage em “chans”, ou fóruns anônimos como o 4Chan, famoso por ter ajudado na criação e espalhamento da Alt-Right nos EUA, que possuem linguagem própria ao ponto de não-iniciados terem dificuldade de entender o que acontece por lá.
A partir de agora surgirão centenas ou milhares de posts e comentários defendendo a censura na rede como solução — como se os chans fossem mais que sintoma de uma sociedade doente e como se esses chans não pudessem migrar para rede Onion que muitos chamam de Deep Web), tornando ainda mais difícil monitorar sua atividade.
É extremamente difícil rastrear esses caras nos chans (mas não absolutamente impossível). O ponto é detectar comportamento desviante antes de chegar à internet. Sofrer bullying não é o fundamental, mas faz parte. Em geral falamos de jovens brancos, homens, isolados, com dificuldade de se relacionar com mulheres, que se sentem deixados de lado pela sociedade, sem motivação na escola ou na faculdade ou mesmo com dificuldade em manter um emprego.
Bullying é a consequência de um comportamento desviante. Oras, se bullying fosse razão ou a peça fundamental para a agressão então teríamos uma infinidade de jovens negros e LGBT’s cometendo atentados — e esta não é a realidade.
Os sinais existem e a chave para entender é a da frustração.
A internet acaba apenas amplificando e facilitando a criação de uma rede que acaba retroalimentando o sentimento de exclusão e de injustiça que muitos sentem. Os crimes que cometem não são online, não “acontecem” na internet.
Mas, acima de tudo, precisamos falar sobre masculinidade tóxica. Não baboseiras de fanáticos identitários que gritam por “microagressões” ou que date ruim é abuso, mas (n)a masculinidade do moleque que se sente deixado de lado, injustiçado, incompreendido e se manifesta na violência. Na verdade os excessos de um lado acabam servindo como justificativa para o outro em um processo interminável de retroalimentação.
Aquele que acha que a mulher deve servi-lo, deve se submeter, que se acha no direito de ter uma namorada, mas não é capaz de conseguir por seus próprios esforços. O discurso xenófobo da extrema-direita também ganha adeptos: O estrangeiro roubará seu lugar, tomará suas mulheres, destruirá seus valores e tradições. O nacionalismo branco é um excelente refúgio para estes jovens sequelados.
Na verdade, qualquer desculpa para justificar seus fracassos, sua incapacidade de se relacionar com o outro sexo (os famosos Incels), serve como refúgio, de grupos neonazistas a chans. Mas não se enganem, não existissem os chans o antigo chat do Uol poderia servir perfeitamente. Assim como o fato de existir uma rede de pedofilia se aproveitando do Youtube não significa exigir o fim do serviço, a internet não pode ser culpada ou censurada pela existência de meios de radicalização de jovens com mentes fracas e vulneráveis a discursos de ódio e violentos.
Há todo um conjunto de fatores que leva um moleque a fazer o que fizeram em Suzano, e nenhum deles isolado tem poder de deflagrar isso. O chan é um catalisador de coisas que acontecem fora. A masculinidade tóxica é um problema sério e que é perpetuado por uma sociedade violenta e incapaz de olhar para si mesma no espelho. Uma sociedade que elege Bolsonaros e Trumps acreditando que violência é solução para nossos problemas.
Há ainda, obviamente, a questão da estrutura familiar, que não consegue dar conta de compreender ou controlar o que sai da mente de um adolescente.
E não podemos esquecer dos videogames, os eternos vilões desde que o Massacre de Columbine popularizou jogos supostamente violentos pela agressividade em jovens — apesar de não existir qualquer evidência e incontáveis estudos terem derrubado teses semelhantes.
Videogames não são o problema, mas sim o ambiente em torno de jogos, os chats, o universo masculinizado, muitas vezes tóxico. Ninguém sai atirando pelas ruas porque jogou Counter Strike ou atropela velhinhas nas ruas porque era viciado em GTA — o problema está no ambiente em volta dos jogos, nos huehuehue.
O que precisamos é de pés no chão, parar de ouvir fanáticos e quem só é capaz de gritar contra o outro e começar a prestar atenção no comportamento desviante, tóxico.
Não, abrir a porta do carro não é comportamento tóxico, tampouco usar palavrões ou mesmo defender que “Lolita” é um bom livro. Precisamos de seriedade e de deixar que os extremos dominem o debate público tentando impor direta ou indiretamente censura a comportamentos que podem ser incômodos ou que meramente divergem da visão e sensibilidade de alguns e, no lugar, promover espaços de diálogo para lidar com os reais problemas que assolam a sociedade, como solidão, sentimentos de inadequação, excesso de informação e franca crise do atual modelo capitalista.
Hoje temos ruído demais, muita gritaria por nada e nessa o moleque pensando em fazer merda escapa pela tangente, espalhando ódio pela internet e esperando o momento de atacar.