Bolsonaro: O ódio saiu do armário em meio às guerras culturais

Raphael Tsavkko Garcia
3 min readSep 29, 2018

--

Tenho visto amigos comentando que estão com medo, em especial os amigos LGBTs, que receiam que mesmo sem vencer, Bolsonaro tenha facilitado que o ódio saísse do armário. Não que o Brasil não fosse já intolerante e violento, mas toda e qualquer amarra foi perdida, comportas foram arrombadas pela força da torrente de ódio que o Bolsonaro e seus apoiadores promoveram e promovem.

O medo de muitos é que o que era ruim tenha ficado pior e que piore ainda mais. Uma coisa é existir um certo “repúdio social” por atitudes homofóbicas, por exemplo, outra é você ter um candidato a presidente (junto a seus filhos, também políticos) que não se contém na pregação do ódio, normalizando a "prática".

É funk atacando mulheres de esquerda, é filho do Bolsonaro usando imagem pra promover tortura em redes sociais e agora até mesmo a defesa aberta de golpe em caso de derrota, enfim, a linha que separava o tolerável do intolerável foi apagada, o que muitos até pensavam e diziam em privado passou a ser dito em público, sem restrições.

Não creio que Bolsonaro apenas crie em si o ódio, mas o normaliza, passa um verniz de aceitabilidade no ódio “comum”, represado.

E Bolsonaro surge, como comentou o professor Pablo Ortellado em artigo recente à Folha de São Paulo (ainda que eu discorde dele quando diz que Bolsonaro não é fascista, penso que é), como um soldado das guerras culturais. Eu especificaria mais, ele surge (também) como uma resposta violenta aos chamados justiceiros sociais (em geral ligados e controlados pelo PT e pelo PSOL, que por sua vez age como linha auxiliar do primeiro) que com seus trigger warnings (gatilhos), lugares de fala e tentativas de censura e intimidação (em especial online e em universidades, mas não só) e denúncias falsas de todo tipo contra desafetos que acabam por criar um ambiente propício para que discursos anti-politicamente correto de Bolsonaro e semelhantes surja – e surja com violência.

O discurso já virulento da direita conservadora contra a suposta hegemonia da esquerda na cultura, academia e afins tomou forma e ganhou mais força na era dos justiceiros sociais trazendo uma resposta (ainda mais) violenta.

Obviamente que Bolsonaro não surge apenas como resposta aos justiceiros sociais, mas sem dúvida o momento e o clima de censura e policiamento imposto por estes facilita ou facilitou o surgimento/fortalecimento dele e de figuras semelhantes. Oras, Bolsonaro não é o primeiro a pregar as loucuras que prega. Não é o primeiro parlamentar homofóbico, machista e que nutre profundo ódio por minorias, no entanto soube aproveitar o momento para crescer e diferenciar-se dos demais.

Claro, 13 anos do PT no poder obviamente também contribuíram diante do esfacelamento de uma oposição menos radical (leia-se PSDB), envolvido em escândalos de corrupção e pouco capaz de inovar no discurso. Facilitou também o fato da esquerda ter, após impeachment, se alinhado quase integralmente com o PT, tornado-se um alvo único para o ódio da extrema-direita – e é raro encontrar um justiceiro social que não se alinhe ao discurso do PT.

Bolsonaro, então, vem para ocupar um nicho e em um momento propício.

O ponto é que sim, existe medo e receio que o ódio trazido por Bolsonaro tenha se tornado legítimo e que acabe por se alastrar e não possa ser contido, que gays sejam forçados a se esconder, que minorias de todo tipo sejam forçadas a olhar por sobre os ombros mais do que já fazem.

Anos de luta por inclusão, visibilidade que correm perigo.

Esse artigo nasce com base em comentário para matéria do jornalista Victor Barone, no Semana On:

--

--

Raphael Tsavkko Garcia
Raphael Tsavkko Garcia

Written by Raphael Tsavkko Garcia

Journalist, PhD in Human Rights (University of Deusto). MA in Communication Sciences, BA in International Relations. www.tsavkko.com.br

No responses yet