Bolsonaro: 6 meses de um completo fracasso

Desemprego, possível falência do país, conflito com a Venezuela, destruição do sistema de educação e… um conflito interno pontuado por expurgos.

Raphael Tsavkko Garcia
9 min readJun 27, 2019

Os primeiros meses do governo Bolsonaro serão interessantes para os historiadores do futuro, mas são um pesadelo para os que estão narrando os acontecimentos. Ou tentando. E em especial para quem sofre e sofrerá com as consequências diretas das ações do governo de um presidente que parece ainda estar em campanha — ou que simplesmente não faz ideia de como governar.

Como Dom Quixote, Bolsonaro governa contra moinhos de vento, buscando inimigos imaginários como forma de justificar seus atos e agradar sua torcida — que vem se reduzindo cada vez mais de acordo com pesquisas.

Desde o governo Dilma Rousseff (2011–2016), mas em especial durante seu segundo mandato (2015–2016) que resultou em impeachment, o Brasil tem enfrentado uma aguda crise econômica que levou ao corte de bilhões de reais de diferentes ministérios e de investimentos estatais. Com o governo transitório de Michel Temer, ex-vice de Rousseff, a situação se agravou, com o Brasil chegando ao governo Bolsonaro em uma situação, no mínimo, complicada — senão alarmante.

Muitos já imaginavam que cortes de gastos seriam necessários — e logo vieram, mas com uma capa de vingança ideológica.

Cortes na educação

Education Minister Abraham Weintraub, que substituiu o ministro anterior, Ricardo Vélez Rodríguez, substituído do cargo por total incompetência, anunciou à imprensa que iria cortar até 30% das verbas de 3 universidades federais (UFF, UnB e UFBA) por estas promoverem “balbúrdia” com o dinheiro público, ou seja, realizarem eventos e atividades contrárias aos pressupostos ideológicos de Weintraub e Bolsonaro (e Olavo de Carvalho, pseudo-filósofo e astrólogo que age como guru da administração e que também é pivô de imensa crise interna).

A este anúncio seguiu-se outro, em que o corte foi ampliado para todas as universidades e institutos federais. Ao mesmo tempo, Bolsonaro anunciava que sua intenção era também a de cortar o financiamento das ciências humanas, que para ele seriam um desperdício de dinheiro público, o que se insere em sua cruzada contra o conhecimento e pensamento crítico — e contra o que chama de “marxismo cultural” e “ideologia de gênero”, que teriam tomado as universidades.

Não surpreende que a cruzada contra as ciências humanas, onde se encaixa a filosofia, venha de um governo cujo guru, Olavo de Carvalho, se declare filósofo sem jamais ter colocado os pés em uma instituição de ensino superior. Estamos diante do que O presidente da Comissão de Educação da Câmara, deputado Pedro Cunha Lima (PSDB-PB) chamou de “revanche ideológica”. Aqueles que não tinham espaço na academia para suas ideias (pouco científicas) optam então por destruí-la diante da incapacidade de vencer apenas com argumentos.

Segundo Bolsonaro, o dinheiro cortado das universidades seria usado para financiar a educação básica, o problema é que os cortes atingem também o ensino básico e técnico, como o corte de 17% na verba para construção de creches ou o congelamento de 21% das verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Alguns propagandistas do governo afirmam que os cortes na realidade seriam apenas congelamento ou contingenciamento e que a liberação das verbas poderia acontecer caso a situação econômica do país melhorasse. O corte apenas para as universidades é de 1.7 bilhão de reais.

Os principais alvos do contingenciamento seriam o orçamento para serviços de manutenção, limpeza, segurança, entre outros, e o orçamento de investimento (reforma ou construção de novos prédios, salas de aula, por exemplo), além de bolsas de pesquisa e cortes generalizados na CAPES e no CNPq, as duas principais agências de fomento à pesquisa no país.

O comentarista político Caio Almendra explica que o governo “cortou 30% das despesas discricionárias. Somadas as despesas discricionárias com as despesas vinculadas, esse corte é de 3,4% do total de gastos das universidades. Aqui é que está o grande perigo da coisa toda.”

Ele explica que “em troca de economizar 3,4% dos gastos em um dos setores mais essenciais de nossa sociedade, a educação, o governo está prejudicando a manutenção das universidades abertas. Se a luz, a água, a segurança ou a limpeza forem interrompidas por conta desse corte, todos os demais 96,6% de investimento em educação vão pro lixo. A universidade não vai ter como funcionar sem essas coisas.”

O contingenciamento em alguns casos, no entanto, ultrapassa os 30%, chegado aos 67% no Hospital Universitário Gaffree e Guinle e 100% no caso do Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí, de acordo com a Associação de Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB), e de outros três hospitais universitários em outras regiões do país.

Outros apontam que o corte, congelamento ou contingenciamento seria, na realidade, uma forma de chantagem para ganhar apoio à reforma da previdência proposta pelo ministro da economia, Paulo Guedes, reforma esta que, segundo especialistas, prejudicaria enormemente os mais pobres, que se aposentariam com salário menor que o mínimo — e manteria os privilégios dos militares.

Além disso, conversas nos bastidores apontam para outro fator, como a intenção de Bolsonaro em beneficiar donos de universidades privadas — o Ministério da Educação acelerou em 70% o credenciamento de novas universidades privadas este ano, e dentre seus programas de governo constava o incentivo à educação à distância, cobrança de mensalidades em universidades públicas e os chamados “vouchers” educacionais, ou seja, ao invés de educação pública, pais de estudantes receberiam vouchers para serem usados em escolas privadas.

Neste aspecto (como em outros) Bolsonaro se aproxima de Dilma Rousseff que, apesar dos investimentos feitos por Lula da Silva na expansão das universidades federais, também investiu pesado no ensino privado, muitas vezes de péssima qualidade e com pesados e sucessivos cortes no MEC. Dilma chegou a ser acusada de estelionato eleitoral por ter, em campanha para a reeleição, prometido investir na educação (e tendo até como slogan de governo “Pátria Educadora”), mas fazendo o completo oposto após reeleita. Em 2015 Dilma chegou a cortar 47% dos investimentos previstos para as universidades federais.

Como resultado da política de profundos cortes na educação, milhões saíram às ruas em 15 de fevereiro — em mais de 200 cidades (outras fontes apontam para 140 cidades) — para protestar contra o governo Bolsonaro, exigindo que os investimentos na educação sejam mantidos ou mesmo ampliados. Foram as maiores manifestações de rua no país desde os protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e dos protestos de Junho de 2013.

Em visita aos EUA, a reação do presidente foi chamar os manifestantes de “idiotas úteis”

Alguns dias depois, em 26 de maio, vários grupos de extrema-direita convocaram protestos em apoio ao governo Bolsonaro. Alguns desses grupos pediam abertamente o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), o que levou setores menos radicais a se desmarcarem dos protestos que, no fim, aconteceram em pouco mais de 50 cidades (um terço dos protestos contra o governo) e com público visivelmente menor.

Não se sabe ainda as consequências políticas para o governo (e para o país) dos protestos.

O governo Bolsonaro é uma vergonha internacionalmente e em casa

No campo internacional o Brasil tem apenas passado vergonha com um chanceler, Ernesto Araújo, inepto e que pensa estar em uma cruzada em defesa do cristianismo. Em viagem à Israel, tanto Bolsonaro quanto Araújo deram declarações desastrosas sobre o nazismo ser uma ideologia de esquerda, assim como prejudicaram anos de relacionamento com a Palestina e potencialmente com países árabes após abrir representação comercial em Jerusalém (porém recuando da mudança da embaixada).

Às vésperas do aniversário de 55 anos do golpe militar que levou a um período de 24 anos de ditadura (1954–1985), Bolsonaro ordenou às Forças Armadas que celebrassem o golpe (celebração que havia sido suspensa por Rousseff, ex-guerrilheira), defendendo o legado de morte e tortura do período — o que causou desconforto mesmo entre os militares que fazem parte do governo.

Bolsonaro, ainda, em visitas internacionais elogiou ditadores como Alfredo Stroessner (que além de tudo era pedófilo) do Paraguai, e Augusto Pinochet, do Chile — sendo recebido em Santiago com protestos e críticas até do presidente Sebastián Piñera.

Em relação à Venezuela, o país adotou um alinhamento automático com os EUA, abrindo mão de uma posição mediadora do conflito que se arrasta pelo país vizinho. Bolsonaro e Araújo não poupam adjetivos nos pronunciamentos contra Nicolás Maduro, assim como Bolsonaro chegou a, no Twitter, aventar a possibilidade de declarar guerra contra a Venezuela — pese oposição do núcleo militar do governo e do presidente da Câmara dos Deputados.

Rachas internos

Em 6 meses de governo, Bolsonaro tem pouco ou nada para mostrar. Não foi capaz de fazer andar nenhuma das reformas prometidas (em particular a da previdência), tampouco conseguiu algum sucesso comercial ou diplomático — pelo contrário.

Em março, durante visita de Bolsonaro a Washington, o país havia anunciado que abriria mão do status de país em desenvolvimento na OMC, que dá direito a um tratamento especial e diferenciado nas negociações dentro do organismo, em troca da entrada do país na OCDE. Inicialmente os EUA mantiveram o impasse sobre a entrada do Brasil na organização, mas no fim de maio o ministério de relações exteriores anunciou que os EUA havia concordado em apoiar oficialmente a adesão do Brasil à organização. Não se sabe, no entanto, quando o processo terá início ou quanto tempo levará.

O saldo até o momento é o de fracasso com uma imensa crise interna no governo pela disputa entre duas grandes alas: A dos militares e a dos “olavistas”.

O militares insistentemente buscam se afastar de polos ideológicos extremos, adotando um perfil técnico e muitas vezes crítico ao próprio governo (o vice presidente, General Hamilton Mourão tem vocalizado críticas abertamente a diversas áreas do governo), ao passo que os seguidores de Olavo de Carvalho (notadamente o ministro da educação e o chanceler, assim como os filhos de Bolsonaro que tem grande peso no governo) buscam impor uma agenda conservadora e… nonsense. Falta um termo exato para definir o caráter errático de Olavo de Carvalho — chamado de “Trotski da direita” pelo General Villas Boas, ex-comandante do exército — e seus seguidores.

Para os militares a substituição de uma ideologia (de esquerda) por outra (de direita) não contribui para o país, mas tão somente insufla torcidas. Segundo especialistas, o revanchismo ideológico promovido pela ala olavista do governo atrasa e distrai o governo das reformas que dizem ser necessárias para o país. Olavo tem feito críticas públicas aos militares — muitas delas carregadas de ofensas pessoais e palavras de baixo calão -, que se sentem desrespeitados. Para Olavo, os generais, assim como a mídia seriam comunistas.

Bolsonaro, sem qualquer habilidade política, insiste que não há crise alguma.

E a economia em frangalhos

Enquanto o governo se desintegra, o país enfrenta uma crise sem precedentes, com o desemprego chegando aos 12,7% (ou 13,4 milhões de desempregados), e sem uma efetiva liderança governando o país. O governo bloqueou 100% dos recursos de 140 projetos diversos de 11 ministérios diferentes. Os cortes são parte de um bloqueio de mais de 29 bilhões de reais do orçamento como forma de superar a crise. Ainda, 300 projetos tiveram mais de 40% do orçamento congelado até o momento.

Para especialistas, a economia brasileira oscila entre a estagnação e a depressão, com perda de poder aquisitivo da população e desemprego e crescimento marginal do PIB.

Em aparente desespero diante da imensa crise econômica e de sua inabilidade em realizar efetiva coordenação política com o congresso para aprovar suas medidas, Bolsonaro compartilhou via WhatsApp texto anônimo (a autoria acabou sendo posteriormente atribuída a um funcionário público filiado ao Novo, partido liberal-tornado-extrema-direita aliado informal de Bolsonaro) em que o Brasil é descrito como “ingovernável”. Poucos dias depois, o presidente divulgou, no Facebook, um vídeo em que um pastor evangélico o chama de “escolhido por deus”.

Pior, não há sequer uma oposição minimamente organizada. O PT, após ter jogado o país na crise durante o governo Dilma, parece mais preocupado em defender a liberdade de seu principal líder, o ex-presidente Lula da Silva, condenado duas vezes por corrupção e lavagem de dinheiro com penas somadas que ultrapassam os 24 anos de cadeia. O PT também paga o preço por ter promovido o aparelhamento e a desmobilização (e mesmo criminalização) de sindicatos e movimentos sociais durante os anos em que esteve no poder.

Outros partidos e candidatos derrotadas na passada eleição presidencial, como Marina Silva e Ciro Gomes, não se mostram capazes de aglutinar a oposição a Bolsonaro que, no entanto, consegue afundar seu próprio governo sem ajuda externa.

Dessa forma, as reformas propostas por Bolsonaro durante a campanha não parecem que serão levadas adiante tão cedo (pelo menos seguindo roteiro proposto por ele), não apenas pela inabilidade política do governo, mas também pela crise interna em que Bolsonaro se meteu.

* O texto é baseado em um artigo publicado em inglês (“Jair Bolsonaro: 6 month to destroy the education system of a country” para o The Wry Ronin) e um em esloveno a ser publicado na próxima edição da revista Razpotja.

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Raphael Tsavkko Garcia
Raphael Tsavkko Garcia

Written by Raphael Tsavkko Garcia

Journalist, PhD in Human Rights (University of Deusto). MA in Communication Sciences, BA in International Relations. www.tsavkko.com.br

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